Nico Assumpção

| quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Nico Assumpção - um baixista brasileiro que encantou o mundo.


Antonio Álvaro Assumpção Neto nasceu em São Paulo, capital, em 13 de agosto de 1954. Seu pai, um industrial de classe média e amante do jazz, tocou baixo acústico, quando jovem, de forma amadora.

Na casa da família Assumpção, a música sempre esteve presente, sendo o jazz uma das principais paixões do pai de Nico, que comprava discos importados através de catálogo. Na década de 50 e 60 era muito comum o empresário de um um músico internacional em turnê no Brasil, levá-lo para jantar na casa de uma família bem sucedida, cujo anfitrião fosse conhecedor sua música e pudesse acolhê-lo com mais hospitalidade. A família de Nico era uma dessas, e seu pai, que tinha influência junto a esses empresários como Roberto Corte Real, sempre oferecia sua casa, fazendo com que Nico estivesse em contato com diversos músicos, como Frank Sinatra Jr., que visitou a casa da família durante sua passagem pelo Brasil em 1966.

Desde pequeno observava-se uma tendência musical ou um bom ouvido, ou sei lá como se definir isso. Mas a realidade é que na casa onde moravam havia um móvel onde os discos eram guardados. Já aos 2 anos Nico alcançava a parte de baixo desse móvel e pedia para ouvir os discos do Michel Legrand, pianista, compositor e arranjador francês, que tornou-se um de seus grandes amigos anos mais tarde.

Início de carreira

"Sua vida foi uma declação de amor à música que, aliás foi o seu maior legado. Soube, como ninguém, valorizar a música brasileira nas mais diversas expressões. A boa música não tem barreira de tempo e espaço, é eterna."
Ruben Freitas

Aos 9 anos, Nico já aprendia a tocar violão através das aulas que tinha com o músico Paulinho Nogueira. Aos 13 anos já tocava em uma “banda de garagem”, covers dos "Beatles", grupo que gostava muito. Mas como baixista da banda costumava faltar aos ensaios com frequência. Demonstrando um interesse maior pelos arranjos das músicas instrumentais, Nico trocou o violão pelo baixo elétrico. A partir daí, dedicou-se somente ao baixo, passando, algum tempo depois, a estudar na escola de música CLAM, com o renomado professor Luiz Chaves do Zimbo Trio, com quem também teve aulas de baixo acústico.

Algum tempo depois, Nico foi convidado para dar aulas de baixo elétrico e baixo acústico na mesma escola onde estudava. Na mesma época, em 1974 e 1975, participou de um um trio de jazz que tocava em alguns restaurantes de classe média-alta em São Paulo, como o Padoque Jardins e o Clube Harmonia. Nessa época, os restaurantes obrigavam os músicos a entrarem pela porta dos fundos. Nico foi um dos primeiros a pleitear que os músicos entrassem pela porta da frente. Com isso, algumas pessoas, e até mesmo amigos de profissão, achavam-no arrogante, mas para ele isso era um direito: entrar pela porta da frente impunha um pouco mais de respeito ao músico, independente do seu nível social.

Paralelamente às suas atividades nos restaurantes de São Paulo, suas aulas com Luis Chaves e as aulas que ministrava no CLAM, Nico iniciou um curso por correspondência na "Berklee College Of Music", no qual o aluno estudava a distância e enviava um teste com as respostas para uma futura eliminação de matérias. Em 1974, quinze dias após o falecimento de seu pai, prestou vestibular na PUC de São Paulo para o curso de economia, onde estudou por aproximadamente 3 anos. Continuou desenvolvendo suas atividades como músico tocando com Arrigo Barnabé, que ensaiava, no estúdio que Nico tinha em sua casa, as músicas que no ano de 1980 seriam gravadas no disco “Clara Crocodilo”. A formação desta banda contava, além de Arrigo Barnabé, piano e voz, Nico no baixo, José Pires de Almeida Neto (Netão) na guitarra, Lea Freire na flauta e Duda Neves na bateria. A banda tocou em algumas faculdades como FAU e USP, mas Nico não chegou a gravar o disco.

Em 1975, Nico tocou baixo acústico com um trio de jazz cuja formação era composta por mais dois jovens estudantes e professores do CLAM: Paulo Cardoso (bateria), que hoje atua na área da medicina, e Eliane Elias (piano), que anos mais tarde se consagrou gravando, ao lado de Nico, o disco “Double Rainbow” de Joe Henderson, somente com músicas de Tom Jobim. Nesta apresentação, com uma duração total de 2 horas e meia e feita com seção dupla, o trio tocou apenas standards de jazz. A entrada era franca e a divulgação, feita pelo trio com a ajuda do irmão de Nico, que colaram diversos cartazes pelas faculdades de São Paulo. Essa apresentação registrou a maior lotação do MASP até aquela data.

NY

"Nico foi um bom amigo e companheiro de gigs em NY e ele faz falta."
Ion Muniz

Chegando em NY, coincidentemente foi morar no prédio em que Ricardo Silveira (guitarra) morava, na rua 22 entre 1rst e 2nd avenida, onde se conheceram e se tornaram amigos. Neste mesmo prédio morava Cláudio Celso (guitarra) e Guilherme Vergueiro (piano). Segundo Ricardo Silveira, “a gente sempre tocava na casa de um ou de outro e tocamos junto com o trompetista Cláudio Roditi”. Nico começou como a maioria dos músicos brasileiros que buscam fazer carreira em NY: tocou com músicos brasileiros.

Alguns meses depois foi convidado para participar do Festival de Newport com o músico Dom Um Romão. Isto abriu-lhe as portas para tocar com Charlie Rouse (sax) e Don Salvador (piano), que, por sua vez, o colocou em contato para trabalhos com renomados músicos de jazz, como Wayne Shorter (sax), Kenny Barron (piano) e Billy Cobham (bateria). Nico também estudou arranjo e orquestração na "Berklee College Of Music". O curso por correspondência feito anos antes permitiu a eliminação de matérias, reduzindo o tempo total dos estudos.

Família

Nico dava grande valor ao relacionamento familiar. Tinha um profundo carinho pela mãe Conceição, sempre se lembrando de sua dedicação ao cuidar de seu pai adoentado. Também tinha uma profunda admiração pelo seu irmão mais novo, Neco - o arquiteto.

Casou-se duas vezes. Do primeiro casamento com Paula teve uma filha - Mariana, nascida em 1985. Do segundo casamento com Rossana Lorentz, não teve filhos; viveram juntos por 6 anos até o seu falecimento em 2001.

Anos 80

Em 1981, de volta ao Brasil, Nico gravou seu primeiro disco instrumental solo de forma independente com 10 músicas, sendo 9 de sua autoria. Teve diversos empecilhos em para lançá-lo, pois dependia de uma grande gravadora para prensá-lo e distribuí-lo, além disso, era encontrado em poucas lojas, uma delas a “Hi-Fi”, em São Paulo. Atualmente este disco é conhecido como “Nico Assumpção” e teve uma prensagem de 3 mil cópias feitas pela Fermata.

"Fui ver o Nico tocar no Penicilina e assim que ele começou a tocar fiquei impressionadíssimo com o talento e musicalidade daquele jovem. O meu “priminho” (10 anos mais novo) era já, naquela época, uns dos grandes baixistas, talvez do mundo."
Zeca Assumpção
Com uma carreira solo, sempre com músicas instrumentais, conquistou um grande espaço no Brasil, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Foi um dos primeiros baixistas brasileiros a lançar um disco de música instrumental, onde o baixo fosse o destaque.

Na década de 80, a música instrumental era um “modismo” entre os músicos e pessoas de classe média que freqüentavam bares em São Paulo, lotados de segunda a domingo com uma atração diferente a cada noite. Um desses bares era conhecido como “Penicilina”, localizado na Alameda Lorena em São Paulo e quase foi comprado pelos irmãos Assumpção. A programação musical do bar ficava por conta de Nico, que também tocava em uma das noites. Para tocar no Penicilina era necessário entrar em contato com Nico para reservar uma data. Este bar teve um papel muito importante nos anos 80 para a música instrumental que conhecemos hoje. Alguns músicos que se apresentaram neste bar se profissionalizaram, como Teco Cardoso, um dos maiores saxofonistas do Brasil, que tocou acompanhado por Silvio Mazzuca (baixo) e Michel Fridayson (piano), e que também tocou com Nico algum tempo depois.

Em 1982, indicado por Ricardo Silveira, Nico foi para o Rio de Janeiro para tocar no Prudente, um bar em Ipanema, acompanhando Marcos Rezende (piano), que também gostava muito de seu trabalho. Desde então, semanalmente ia para o Rio de Janeiro e ficava hospedado na casa de uma tia, em Laranjeiras no Parque Guile. Rezende tinha casa cheia toda quarta-feira, e com isso, Nico mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro, morando, por 2 anos, em um um apartamento alugado em Botafogo, junto com Zeca Assumpção e Bob White. O que mais motivou sua mudança para o Rio foi a visibilidade que teria para a carreira, afinal era lá que estava a mídia de maior alcance nacional da época - Organizações Globo, vários outros semanários importantes, além de um grande número de artistas.

Firmado seu nome nas noites cariocas, todos queriam tocar com Nico Assumpção. Nesta época gravou muitos trabalhos em estúdio, principalmente com o Luiz Avellar (piano), dono de uma produtora e compositor de arranjos. Luiz Avellar sempre convidava Nico e Ricardo Silveira para gravar trabalhos que iam de jingles e trilhas, a discos de artistas da MPB. Além disso, o trio tocava algumas noites da semana em casas como “Jazzmania”, “Parque da Catacumba” e “Mistura fina”. Esse bar é hoje o internacionalmente renomado restaurante Mistura Fina, que tem apresentações de jazz e música instrumental também com atrações internacionais.

Em 1984 Nico gravou o que seria seu segundo disco solo no extinto estúdio Rádio Patrulha. Esse disco, gravado e mixado, nunca foi prensado e lançado. No mesmo ano, por ter boa experiência com gravações, ia uma vez por semana a São Paulo para fazer os arranjos e gravar o disco solo do amigo Cândido Penteado Serra, que integrou o grupo D’Alma, pela gravadora Eldorado. No término das gravações, Cândido decidiu lançar o disco com o nome “Banda Paulistana”, dividindo os créditos com o amigo baixista.

High LifeEm 1985 Ricardo Silveira, convidado para tocar no “Free Jazz Festival”, reuniu Nico, Luiz Avellar, Carlos Bala (bateiria) e Steve Slagle (sax), que era seu amigo de NY, para tocar como sua banda no festival. Por mais duas semanas, de quarta a sábado, continuaram a tocar no bar “Jazzmania”. Surgia aí o projeto ”High Life”.

Logo após o festival, a banda decidiu acrescentar algumas músicas para aumentar o repertório, uma delas era “High Life” de Steve Slagle. A banda fazia duas entradas, e, no final da segunda semana, Luiz Avellar sugeriu que continuassem como banda, que seria de todos, e que gravassem um disco. O nome “High Life” surgiu, segundo Ricardo Silveira, por ser o nome de uma das músicas do repertório e porque não conseguiram pensar em um nome melhor naquela época.

O disco foi gravado em dois dias no estúdio “Nas Nuvens”, do músico Liminha, pelos produtores Chico Neves e Vitor Faria. A banda fez diversos shows no Rio e São Paulo, um deles registrado nos arquivos do Centro Cultural São Paulo. O disco “High Life” é o único disco do “Grupo High Life”, sendo conhecido por grande parte dos músicos, principalmente baixistas, como um disco solo de Nico Assumpção; talvez pelo fato de ter duas músicas de autoria do baixista - uma delas, “Cor de Rosa”, muito importante em sua carreia, além dos solos de baixos, temas e acompanhamentos que destacam o baixo de uma maneira incomum para a época.

Free JazzEm 1988, após ter participado nas edições anteriores do "Free Jazz in Concert" como side man, Nico faz um show com Luiz Avellar, Paul Liberman (sax), Ricardo Slveira (guitarra) e Jurim Moreira (bateria). Antes do evento, tocando a escala cromática como aquecimento, Nico percebe que a partir do 17º traste a nota fá se repetia nos trastes seguintes. Nico teve um acesso de pânico. A primera reação foi pedir um martelo, imaginando que os trastes estivessem empenados. Enquanto o roadie busca o martelo, Nico passou a mão debaixo da corda e descobre que ela estava amassada naquele ponto. Trocou a corda e tudo bem, subiu para o palco e, segundo testemunhas do evento, foi um dos melhores shows do Nico.

Nico Assumpção reuniu uma legião de fãs, em primeiro lugar, músicos. Sempre fazia questão de tocar ao vivo, porque gostava muito. Tocou em casas como “Blue Note” e “Village” em NY, e em diversos bares, como os que temos hoje na Vila Madalena, em São Paulo. Tocou em diversos teatros e também em casas noturnas no Leblon, freqüentadas por diversos músicos que se reuniam no fim de noite para tomar uma cerveja e fazer algumas jam sessions.

Anos 90

A década de 90 foi também muito rica e promissora. Destacam-se os arranjos para os songbooks de Vinicius de Morais e Carlos Lyra, onde somados à qualidade vocal do Be Happy, tornaram-se de uma riqueza fora do comum. Além disso, vários compositores e intérpretes renomados serviram-se de seu trabalho, como Zé Renato (ex-Boca Livre), no disco Arranha-Céu.

A partir de 1991, Nico passa a tocar o baixo de 6 cordas, padrão que adotou a partir de então. Este fato representa um pioneirismo no Brasil, ele foi o primeiro baixista brasileiro a utilizar o baixo de 6 cordas.

Na vida pessoal foi um período conturbado financeiramente, talvez reflexo da crise econômica que se extendeu até o final da década. Havia situações em que Nico tocava a noite inteira por um cachê de R$ 100,00. Aliado a isso tudo, por volta de 1995 ele se separa da Paula, sua primeira esposa e se muda por um tempo para a casa de amigos, como Nelson Faria, e postriormente para um pequeno apartamento na Rua Barão da Torre, ao lado da delegacia da Receita Federal em Ipanema. Pouco tempo depois ele conhece Rossana, sua segunda esposa, e se mudam para a Rua Gastão Bueno, em Ipanema.

"Eu tive a sorte de conviver e trabalhar com o Nico algumas vezes. Uma delas foi no disco Arranha-Céu onde ele topou fazer, sem ainda ter a definicão de uma gravadora. Foi por amizade e contribuiu com o talento que lhe sobrava me ajudando realizar o sonho de gravar o repertório de Silvio Caldas. Foi criador de um estilo e até hoje é referência para muitos músicos brasileiros."
Zé Renato
Muito embora tivessem períodos de altos e baixos, a década foi extremamente promissora profissionalmente. Inicia um trabalho com o Marco Pereira e em 1991 fazem uma apresentação no "Free Jazz". Grava com grandes músicos e intérpretes como Simone, Wagner Tiso, Raphael Rabelo, Adriana Calcanhoto, Gal Costa, Edú Lobo, Leny Andrade, Ivan Lins, Casa da Bossa - com César Camargo Mariano - e diversos outros artistas. Participou, também, de gravações com vários músicos internacionais, como Larry Coryell, Dionne Warwick, Bob Belden, Joe Henderson, Bill Cunliffe e Phil Sheeran.

Dois trabalhos internacionais merecem destaque pela repercursão. Um deles foi com Joe Henderson, consagrado saxofonista americano que tocou músicas de Tom Jobim; e outro foi com Larry Coryell, guitarrista americano. A parceria mais importante, no entanto, pela extensão de tempo e pelo trabalho realizado, foi com Nelson Faria (guitarra).

Até o fim de sua vida, Nico tocou ao menos uma vez por mês no Mistura Fina, sempre com a casa cheia e notas no jornal anunciando: “Nico Assumpção e Banda”. Com o nome firmado entre os grandes instrumentistas por ter acompanhando grandes nomes da música brasileira, abriu portas para músicos e fãs de instrumentos diferenciados e sem características de instrumento solo, como o baixo elétrico.

João Bosco

A princípio, João Bosco fazia shows sozinho, voz e violão, em dado momento chamou o Nico para fazer um duo. Desde então, Nico consolidou seu trabalho com João Bosco, não apenas como baixista, mas, também, como parceiro musical. Desta parceria sugirão os discos Gagabirô (1984), Cabeça de nego (1986), Ai ai ai de mim (1987), Bosco (1989), Zona de fronteira (1991), As mil e uma aldeias (1997), e Benguelê ballet para um corpo (1998).

A afinidade entre os dois pode ser comprovada no especial transmitido pela TV Cultura. Nico e Joao BoscoNeste show, sentimos uma concepção musical com poucos arranjos e muita liberdade para o baixista solar, João Bosco mantém sua maneira de tocar violão - é comum criar acompanhamentos de violão mais complexos, preenchendo os espaços quando se toca sozinho, e tocar de maneira mais “enxuta”, quando se está acompanhado por um baixista, omitindo as notas mais graves dos acordes para não embolar, porém neste show esse pensamento não foi percebido. João Bosco toca como se estivesse sozinho, preenchendo quase todo o espaço com seu violão, isso permite que Nico explore melhor a região aguda do baixo, fazendo vários solos durante as músicas.

"O João Bosco e o Nico pareciam dois irmãos que tinham opiniões diferentes em muitas coisas, mas que se completavam, e que se respeitavam mutuamente."
Rossana Lorentz

Algum tempo depois, Nico sugeriu que João convidasse outros músicos, aí se forma um novo grupo: Nico (baixo), Marçal (percussão), Robertinho Silva (bateria) e Ricardo Silveira (guitarra). Posteriormente, Nelson Faria (guitarra) e Kiko Freitas (bateria), além dos baixistas Andre Neiva e Ney Conceição, ambos indicados pelo próprio Nico para substituí-lo.

Paralelo ao trabalho com João Bosco, que durou 15 anos, Nico fez uma série de shows e gravações com nomes como Milton Nascimento (compositor e intérprete), Marcio Montarroyos (trompete), Victor Biglione (guitarra), Ricardo Silveira (guitarra), Wagner Tiso (teclado), Helio Delmiro (guitarra), Cesar Camargo Mariano (piano), Nelson Faria (guitarra), Robertinho Silva (bateria), Chico Buarque (compositor e intérprete), Marcos Rezende (piano), Edu Lobo (compositor) e Larry Coryell (guitarra), entre outros. Em grande parte desses trabalhos, teve muita liberdade para criar suas melodiosas e precisas linhas de baixo e fraseados.

Bass Solo

Nico ministrou vários workshops sobre técnicas de contrabaixo, harmonia, improvisação, levadas e etc. Utilizava como material de apoio uma apostila com diversos exercícios e exemplos de digitação, onde mostrava a sua forma de tocar. Esse material, posteriormente foi ampliado e sistematizado, tornado-se o seu método de improvisação Bass Solo, os segredos da improvisação, lançado no final de 2000 pela editora Lumiar.

Segredos

"Nico como músico era um ser perfeito. Nunca se contentava com 99%, tinha que ser 100%. O Nico e o contrabaixo eram como se fossem uma coisa só, como se fizessem parte um do outro; o dedo que toca a corda e a corda que penetra o dedo."
Rossana Lorentz
Qual o segredo que havia por trás do Nico? Por que ele tocava tanto? A resposta foi dada por Rossana, sua esposa: "Ele sempre buscou o estudo. Não me lembro de um dia em que o Nico estivesse em casa que não tivesse entrado no estúdio para estudar, seja sábado, domingo ou feriado. Ele tocava, ele estudava e ele ouvia. A capacidade que ele tinha para buscar o aprimoramento é nítido no trabalho que ele deixou. Nico como músico era um ser perfeito. Nunca se contentava com 99%, tinha que ser 100%. O Nico e o contrabaixo eram como se fossem uma coisa só, como se fizessem parte um do outro; o dedo que toca a corda e a corda que penetra o dedo."

O mestre

Nico Assumpção participou de centenas de gravações durante sua carreira entre discos completos e participações, além de um número incontável de shows. Não sobrava tempo para ministrar aulas particulares de música, apenas alguns poucos os baixistas que tinham o privilégio de ter Nico como professor.

Nico dando aulaSegundo André Neiva e Patrick Laplan, Nico não adotava um método específico em suas aulas particulares, que muitas vezes se estendia por horas em sua casa como um “bate-papo”, sem um tempo pré-determinado, tocando e mostrando suas gravações e trabalhos de outros baixistas que considerava de grande importância para o desenvolvimento musical de qualquer músico. O enfoque principal de suas aulas era a harmonia. Falava sobre o ciclo de quintas ascendentes e descendentes, modos gregorianos e progressões, e a improvisação. A improvisasão, segundo ele, deveria ser vista como uma história com começo, meio e fim, para que tenha contexto musical e não um amontoado de notas sem sentido.

Kiko Freitas liga para o Nico e conversam longamente. Kiko ainda não havia se mudado pro Rio. O Nico fala que ele tava super bem, que tinha muito trabalho e tal. O Kiko fica super animado e toma uma decisão: mudar-se para o Rio de Janeiro. Já no Rio, encontra-se com Nico e Luiz Avellar em uma mesa no Mistura Fina, começam a conversar e, lá pelas tantas, o Nico comenta: "A coisa tá feia, tem uns 15 dias que eu num consigo trabalho nenhum..."
Sempre dizia, principalmente aos alunos mais jovens, que um bom músico deve ser livre de preconceitos musicais, que o segredo para conseguir fazer música com estilo próprio está em saber misturar diversos estilos musicais. Demostrando ser um músico virtuoso, sem ser exibicionista, era admirado por seus alunos por sua simplicidade e respeito ao nível de conhecimento de cada um. Com imensa boa vontade de ajudar no desenvolvimento musical e profissional do aluno, orientava sobre como portar-se diante de um arranjador, maestro ou artista, em como deveriam ser firmes diante de algumas decisões, e, o mais importante na opinião de André Neiva, os ensinava a dizer “não”, mostrando que suas idéias, de que o músico deve ser sempre respeitado, continuavam fortes em seu modo de encarar a profissão.

Além das poucas aulas particulares ministradas em seu apartamento no Rio de Janeiro, Nico participou das edições de 92, 94 e 95 do “Festival de Verão de Brasília” na Escola de Música. Segundo o professor Oswaldo, que participou dos três cursos ministrados por Nico, "essa experiência (...) mudou minha visão no estudo do contrabaixo”. Nico demonstrou nesses festivais o domínio que tinha tanto sobre o baixo elétrico como o acústico, impressionando os músicos presentes pela sua técnica, conhecimento harmônico e fluência em improvisação, provando estar realmente à frente de seu tempo.

Anos 2000 - ascenção, amadurecimento e final de carreira

"Tenho Nico como uma referência, um amigo, um mestre. Tocar a seu lado foi um grande privilégio que tive a honra de desfrutar por vários anos. Acredito que sua obra se perpetuará e será descoberta pelas futuras gerações de músicos no Brasil e no mundo."
Nelson Faria

Com uma diferença de 16 anos entre o lançamento do segundo e o terceiro disco, em abril e junho de 2000, Nico voltou aos estúdios ao lado de Nelson Faria (guitarra) e Lincoln Cheib (bateria) para gravar o disco “Três/Three”. Foram regravadas músicas como “Cor de rosa” - uma das mais importantes de sua carreira, “Eu sei que vou te amar” de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, “Vera Cruz” de Milton Nascimento e Márcio Borges, e músicas inéditas de autoria própria em parceria com Nelson Faria, além de composições de Lincoln Cheib e Mauro Rodrigues. O último registro ao vivo de Nico Assumpção é no disco “Tocando Victor Assis Brasil”, gravado no Mistura Fina nos dias 30 e 31 de março e 1º de abril de 2000, ao lado de Luiz Avellar (piano) e Kiko Freitas (bateria), tendo a participação especial de Nivaldo Ornelas (sax) e Ricardo Silveira (guitarra), tocando apenas composições de Victor Assis.

Morre o homem, nasce o mito

Nico sempre foi muito preocupado com a questão de preparo físico. Dava voltas de bicicleta em torno na Lagoa Rodrigo de Freitas e estava sempre bem disposto, tanto nos workshops, tanto nos shows.

Em 1999 ele iniciou um trabalho com o músico mineiro José Namen (teclado) em parceria com Nelson Faria (guitarra), cuja proposta era tocar Beatles em ritmo brasileiro, o trabalho chama-se "Beatles - Um tributo brasileiro". Fizeram alguns shows, inclusive em Ouro Preto. Durante esse período, Nico apresentou problemas de saúde, sendo necessária uma intervenção cirúrgica para correção de hérnia de disco.

Durante uma turnê na Europa para promover o CD da Maria João e do Mário Laginha, sentiu-se mal e comentou que chegando no Brasil faria exames. Foi então ao médico que o diagnóstico com câncer no pulmão em estágio avançado.

"Em um dos seus últimos momentos, ele me pediu: "Mamãe, me canta aquela música que eu gosto tanto". A Leny Andrade estava conosco nessa ocasião. A música era "Eu Sei Que Vou Te Amar" do Tom Jobim. Então comecei a cantar e a Leny, com sua voz linda, começou a fazer um contracanto comigo. Foi tão lindo."
D. Conceição
Revista Cover Baixo
PoesiaNico encarou a doença de maneira serena e consciente do trabalho realizado. Na verdade, quem conversou com o Nico durante esse periodo, jamais imaginaria a gravidade do problema pelo qual ele estava passando. Em uma dessas ocasiões Rossana lhe perguntou como ficaria a memória da sua obra, não tinha um acervo de participações em shows, eventos, não havia produzido nenhum filme, tipo video-aula e etc. Nico respondeu que ela não precisava se preocupar com isso, iria aparecer muita coisa depois.

A doença se alastrou para o fígado e depois para a coluna vertebral. O tratamento foi dificil e doloroso e o lançamento do disco Três ocorreu nesse período, inclusive com Nico autografando o CD no hospital em dezembro. Ele falava inglês e francês fluentemente e, neste momento, já misturava as línguas sem nenhum motivo aparente durante a conversa. Era um evidente sinal que a doença já havia atingido um estágio muito avançado e fatal: o cérebro.

Amigos e parceiros o visitam nessa hora e ele fala prá um deles: "Gostaria de poder voltar no tempo e começar de novo algumas coisas, para ser possível demonstrar e expressar para as pessoas que eu amo o quanto elas são importantes."

Na sexta feira, dia 19 de janeiro o amigo Luiz Avellar o visita. No sábado ele partiria para um trabalho em Boston. Aquele momento se transformou em uma despedida do parceiro de longas datas e de trabalhos que hoje fazem parte da história da música brasileira.

"Era um sábado de manhã, e eu não havia ligado para saber notícias durante aquela semana, estava em Belo Horizonte. Liguei para a sua casa e o telefone tocou até cair a ligação. Achei estranho e liguei para o celular da Rossana. Dona Conceição atende e eu pergunto pelo Nico. A resposta, curta, foi de uma dimensão tal que me deixou completamente sem reação: "ele faleceu durante a madrugada."

Era o dia 20 de janeiro de 2001. Nico faleceu e suas cinzas, no dia seguinte, foram depositadas na lagoa Rodrigo de Freitas. Nesse local, há uma placa em sua homenagem, colocada sob uma árvore, com o nome "Recanto Nico Assumpção".

Em agosto de 2002, com a presença de sua mãe, dona Conceição e de sua filha Mariana, por iniciativa da Rossana, com a participação de Cláudio Infante (bateria), de Afonso Cláudio (sax), de Nelson Faria (guitarra) e de André Neiva (baixo), foi realizado um show em tributo a Nico Assumpção na loja Show Point, no centro da Cidade do Rio de Janeiro. Foi a comemoração do relançamento em CD do seu primeiro LP da carreira solo, tocando apenas músicas de sua autoria, como: "Cor de Rosa", "Maxixe", "Paca Tatu, Cotia Não" e “The Quartet". Além disso, o show inaugurava o “Espaço Nico Assumpção”, um auditório localizado dentro da loja Show Point, feito em sua homenagem.

No final do evento, dona Conceição confidenciou: "Esse baixista me fez lembrar o Nico algumas vezes."

Quase 10 anos depois, muitas homenagens foram feitas, mas como resumir Nico Assumpção? Talvez a resposta esteja no diálogo de João Bosco com um trombonista sueco, encantado com o solo da música "Holofotes" (CD Zona de Fronteira - 1991).

"Quem fez esse solo?" - perguntou o sueco surpreso. João Bosco imediatamente respondeu: "Foi o Nico, um baixista brasileiro."


O Nico era uma pessoa muito envolvida com tecnologia. Ele mesmo desenvolveu seu primeiro site, postado em 17/04/1999. Era ele, também, quem fazia a sua manutenção. Posteriormente algumas mudanças foram feitas, como a inclusão de um guesbook, pequenas atualizações na biografia, porém o layout original foi mantido. Optamos por mantê-lo no ar tal como criado e imaginado por ele.
Se você quiser acessá-lo clique aqui.


Informações retiradas do site http://www.nicoassumpcao.com.br
No site você ainda encontra mais informações , imagens, transcrições, videos, shows, áudio...
VISITE-O

2 comentários:

Nelson Faria disse...

Estou na Holanda, começando uma turne que durará 2 meses. Este post me emocionou. Que saudade, que falta faz o Nico! Que a memória da nossa música esteja sempre preservada. Quem postou? Obrigado.
Abraço, Nelson Faria

andré disse...

De fato, nico faz muita falta no cenário musical brasileiro, principalmente ao observar a falta de compromisso com a sensibilidade necessária para elaboração de um bom arranjo; contentando-se, alguns, apenas com a execução de escalas e escalas e, escalas ....

A excelência do trio formado por Nico Assumpção; Nelson Faria e Lincol Cheib é rara; cada vez mais rara

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